Hussein bin Talal: “É possível uma confederação Jordânia-Palestina”

Durante cerca de uma hora de conversa, na presença da rainha Noor e de alguns colaboradores, o monarca hashemita não excluiu uma união de Estados nas duas margens do rio Jordão; confessou ter a esperança de um dia discursar num Parlamento Árabe com a estrutura do Europeu, e assegurou que o seu país já escolheu a via da democracia e do pluralismo. (Ler mais | Read more…)

A voz quase hermética de Hussein bin Talal revelou uma certa comoção, quando afirmou: “Alguns líderes [árabes] subestimam o seu povo […] talvez haja um fosso de gerações a separá-los. Foi, por isso, que nós, na Jordânia, tivemos de nos dirigir directamente ao povo”.

Foi uma espécie de autocrítica e, simultaneamente, uma tentativa para despertar consciências adormecidas entre os dirigentes árabes, esta “confissão” feita numa audiência, no Palácio Real de Amã, com vários jornalistas europeus convidados pelas Nações Unidas para uma missão no Médio Oriente.

Numa intervenção centrada no processo de democratização na Jordânia e nas negociações israelo-árabes, o monarca hashemita revelou uma enorme flexibilidade sem no entanto, ser demasiado explícito.

“Enveredámos pelo caminho da democracia e do pluralismo, mas o nosso projecto de reformas só podia começar depois de nos desvincularmos da Cisjordânia” (ao cortar relações, em 1988, com a Margem Ocidental do Jordão ocupada por Israel, Amã desistiu formalmente da soberania sobre este território, a favor dos palestinianos).

Procurando uma explicação para a lentidão do processo democrático, o rei garantiu: “Não podíamos ter realizado eleições antes. Mas, começámos a pôr a nossa casa em ordem, e estamos orgulhosos do que já fizemos”.

Embora Hussein tenha apontado o Parlamento jordano como um exemplo para outros países árabes, teve de admitir que alguns deputados e membros do seu Governo se opuseram ao processo de paz.

“Algumas pessoas tiveram dificuldade em ajustar-se, mas a maioria esmagadora [dos jordanos] é a favor [das negociações de paz]. Continua a haver o perigo de extremistas de ambos os lados se unirem”.

Para impedir que uma estranha aliança entre a Irmandade Muçulmana e o bloco comunista boicotassem a Conferência de Madrid, o rei usou, em Outubro [de 1991], os seus poderes constitucionais para adiar a abertura do Parlamento por uns dias.

Confiante de que a crise entre os parlamentares e o Governo dirigido pelo palestiniano Taher al-Masri será resolvido a tempo (o primeiro-ministro tem mantido diariamente contactos com os blocos que exigiram a sua demissão), Hussein assegurou: “ Vou abrir o Parlamento no próximo dia 1 de Dezembro”.

Humilde, o Rei jordano confessou que se sentiu emocionado ao discursar recentemente no Parlamento Europeu. E exprimiu um desejo: “Espero poder um dia discursar num Parlamento árabe, com uma estrutura semelhante”.

© collections.tepapa.govt.nz

Orgulhoso dos planos empreendidos para instaurar a democracia na Jordânia (“ Vamos realizar eleições livres!” –prometeu), o soberano considerou, por outro lado, que a paz na região será a maior conquista de todos os seus anos de reinado.

“Algumas pessoas mantêm as suas visões limitadas (…), por isso, há perigos para o processo de paz, mas também uma grande esperança”. Sobre uma eventual confederação jordano-palestiniana, o rei disse: “ As pessoas poderão escolher livremente, e nós estamos a avançar para uma fase em que isso será possível”.

Num anterior encontro, Adel Irsheid, responsável pelo Departamento de Assuntos Palestinianos do Ministério jordano dos Negócios Estrangeiros, mostrara-se convencido de que um dos resultados das negociações de paz será, seguramente, uma confederação  jordano-palestiniana, ainda não totalmente delineada.

A Jordânia e a OLP assinaram este ano [de 1991] um acordo político que prevê laços confederais entre ambas as partes nos territórios ocupados por Israel.

Um acordo semelhante celebrado pelo rei Hussein e por Yasser Arafat, em 1989, nunca se materializou, devido às pressões exercidas por algumas facções “radicas” palestinianas sobre o líder da OLP. Desta vez, foram os chamados “moderados” que o forçaram a avançar, em vez de recuar.

Quando perguntei a Irsheid se Israel poderia ser incluído numa futura confederação jordano-palestiniana, ele sorriu maliciosamente e respondeu: “Não haverá lugar. É impossível”.

O Rei Hussein não fechou totalmente a porta. “Só temos falado seriamente de uma confederação jordano-palestiniana. Para além disso, não sei. É muito cedo para discutir este assunto [inclusão de Israel]. As pessoas podem ter diferentes pontos de vista”.

© AFP | East News

O direito de os refugiados palestinianos de regressarem à sua pátria ou serem indemnizados, conforme estipulam as resoluções da ONU, deve ser respeitado, na opinião de Hussein e na de Irsheid.

Mais específico do que o monarca, Irsheid, ele próprio um palestiniano, está convencido de que a maioria dos que vivem nos campos de refugiados vai querer regressar. E a Jordânia a isso os vai aconselhar. Garantiu, porém, que ninguém será forçado. Os que optarem por continuar a viver neste país, manterão a nacionalidade jordana.

Para evitar a repetição de dramas, como a fuga maciça de 300 mil palestinianos do Golfo para a Jordânia, o Rei Hussein colocou uma questão intrigante: “Os israelitas podem ter nacionalidade dupla, por exemplo, israelita e americana. Talvez, no futuro, as pessoas [mas quem?] possam ter mais do que uma nacionalidade. Seria uma maneira de criar estabilidade e segurança, sem a ameaça de perder subitamente tudo”.

Com convicção, Hussein reafirmou que a Resolução 242 da ONU continua a ser base das negociações; insistiu em que Jerusalém Oriental é para os árabes território ocupado, embora reconheça que se trata de um problema difícil de resolver (palestinianos e israelitas disputam a cidade como sua capital).

Falou da necessidade de solucionar a crise da água na região –“um enorme desafio” –, que poderá provocar a próxima guerra, e esclareceu que a segurança de Israel é algo para ser discutido, porque não pode ser traçado no terreno.

Umas vezes confiante, outras mais pessimista, Hussein advertiu que este processo será longo. “O fracasso ou a regressão representarão uma tragédia para o mundo inteiro”.

A “luz” de Hussein

Parecia  história de fadas. Enquanto o rei falava, a rainha fixava nele o seu olhar azul. E percebemos a razão do seu nome: Noor Al Hussein, a “Luz de Hussein”.

No seu fato de saia e casaco cinzento, blusa de seda branca, sapatos de salto alto e bandolete negra, segurando longos e brilhantes cabelos loiros, a rainha da Jordânia é uma mulher imponente. Recebe os seus convidados ao lado do rei, mas em segundo plano. Aperta a mão com firmeza e balbucia: Welcome (bem-vindo)!

Na sala, ela acende e apaga as luzes, dá ordens aos empregados, recebe mensagens, tudo com a maior elegância e discrição. Quando o rei está prestes a finalizar o seu discurso, ela dá-lhe ênfase, acrescentando algumas palavras.

Nota-se uma grande segurança nesta “rainha das arábias”, filha de um americano e de uma sírio-libanesa, talvez pelo facto de ser a mulher de um verdadeiro sobrevivente do volátil Médio Oriente.

Hussein subiu ao trono em 1952, por incapacidade do seu pai governar. Aos 17 anos, tornou-se o mais jovem chefe de Estado. Sobreviveu a todas as “tempestades” no deserto –tentativas de assassínio guerras e revoluções -, e tornou-se num dos estadistas há mais tempo no poder.

Tal como nas histórias infantis, também Noor e Hussein vivem num lindo palácio. O caminho para a casa real é ladeado de ciprestes, pinheiros e palmeiras e, para lá chegar, os visitantes têm de passar por três barragens, controladas por soldados de boinas verdes e encarnadas.

À entrada, não há carruagens nem coches, mas Mercedes e Jaguares. E muitos, muitos guardas. Pagens e aias também não entram nesta história, mas sim secretárias, agentes secretos e guarda-costas.

De um pequeno gabinete com objectos antigos e alguns livros sobre política e literatura, somos conduzidos à presença dos reis. É um momento solene, pelo qual esperámos cerca de seis horas.

A sala do encontro era majestosa. Um enorme móvel de madeira trabalhada em forma de arabescos, e contendo elementos em mármore e azulejo, ocupava uma das paredes de alto a baixo. Quadros com o deserto e beduínos pintados a aguarela eram uma autêntica homenagem às raízes do reino hachemita.

O retrato a óleo do Rei Abdullah I colocado a um canto estava em perfeita sintonia com o assunto em discussão –o processo de paz israelo-árabe.

O avô de Hussein foi assassinado, em 1951 por um palestinianos, acusado de ter vendido a alma aos britânicos ao aceitar alegadamente, a criação de um Estado judaico na Palestina.

Pratos com bolos, frutas e vegetais enchiam quase por completo a extensa mesa de mármore com capacidade para mais de 20 pessoas. Os visitantes tinham lugar marcado, com o seu nome inscrito num pedaço de papel branco gravado com o dourado selo real.

Quase sempre de braços cruzados, fazendo de vez em quando pequenos gestos com as mãos, o rei falava em voz baixa e quase imperceptível. O ar formal e fleumático deve-o provavelmente à sua educação britânica e à sua formação militar na Academia Real inglesa de Sandhurst.

Estes dois artigos, agora revistos e actualizados, foram publicados no jornal PÚBLICO, em 7 Novembro de 1991 | These two articles, now revised and updated, were published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on November 7, 1991

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