No Sahel, região marcada por extremismos políticos e religiosos, o antigo Alto Volta era considerado um “lugar único de coexistência”. Numa família, os avós podiam ser animistas, o pai muçulmano, a mãe católica e os filhos protestantes. Tudo mudou em 2016, quando ressentimentos internos e instabilidade na vizinhança se juntaram para infernizar a pacífica “Terra do Povo Íntegro”. (Ler mais | Read more...)

© Henry Wilkins | Concern Worldwide
Enviada para o Burkina Faso, com a missão de ensinar inglês numa escola da diocese de Nouna, Janet E. Deinanaghan chegou em novembro de 2017 sentindo “um misto de receio e entusiasmo”. Nascida na Nigéria, teve de aprender uma nova língua (francês), uma nova cultura e um modo de vida diferente daquele a que estava habituada. A sua “primeira surpresa” foi “o espírito livre e a simplicidade da fé” das pessoas que encontrou.
“Não era tabu um cristão convidar um parente ou amigo muçulmano para assistir a uma cerimónia na nossa igreja e vice-versa”, disse esta missionária das Irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo, num artigo publicado no site globalsistersreport.org. “A verdade é que não era sequer tabu, para uma católica, casar-se com um muçulmano, pois podia viver plenamente a sua fé cristã.” Janet conheceu um casal assim: por vezes, a mulher acompanhava o marido à mesquita e ele ia à missa com ela.
“Era uma visão bela e evangelizadora”, mas esta “liberdade maravilhosa” está agora a ser destruída por fanáticos que querem controlar o mundo e só aceitam a própria religião”, lamenta Janet E. Deinanaghan, orgulhosa do trabalho da sua congregação em Nouna, aqui presente desde 2009 e onde as irmãs vicentinas gerem duas “escolas inclusivas”, cuidando de mais de 3000 crianças, a maioria com necessidades especiais.

© Tom Peyre-Costa | Norwegian Refugee Council
Em Novembro de 2021, a escola de Janet foi atacada e obrigada a encerrar, até ter encontrado uns edifícios abandonados para continuar a sua pastoral educativa e social. “A situação é sombria”, reconhece. E não apenas devido às acções violentas de grupos jihadistas, mas também aos actos de represália do exército e da sua força auxiliar Voluntaires pour la défense de la Patrie (VDP, “Voluntários para a Defesa da Pátria”).
Nouna é uma povoação de pouco mais de 30 mil habitantes, na província de Kossi, no Noroeste, não muito longe do Mali. Em Janeiro deste ano, a Amnistia Internacional reportou um massacre de pelo menos 86 civis, incluindo crianças, após um assalto de islamistas a uma esquadra local, em 22 de Dezembro.
A matança foi atribuída a membros de uma comunidade tradicional de caçadores, designados por Dozo, que integram os VDP. Estes terão ido “de casa em casa em busca de muçulmanos Fulani”, que as autoridades acusam de “ajudar os terroristas” na região, disseram sobreviventes à Amnistia Internacional. Em 17 de Fevereiro, os alvos foram 51 soldados, uns mortos, outros feridos ou raptados numa emboscada perto de Deou, na província de Oudalan.

©Sam Mednick | Associated Press | The Guardian
De momento, há três organizações jihadistas activas no Norte e Leste do Burkina Faso: Ansarul Islam; Grupo para o Apoio do Islão e dos Muçulmanos (GSIM – fusão da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico/AQIM com o Ansar Dine e o Al-Mourabitoun); Estado Islâmico no Grande Sara (ISGS)
Num país onde a família, o clã e a etnia (e há aqui mais de 60) sempre estiveram acima da religião, agravou-se o risco de uma guerra civil, alertam vários think-tanks e ONG. Não parece haver fim à vista para o ciclo de violência iniciado com o primeiro e audacioso ataque reivindicado pela Al-Qaeda em 15 de Janeiro de 2016, contra um hotel de luxo em Ouagadougou, a capital burkinabé, de que resultaram 30 mortos. Em sete anos, mais de dez mil pessoas perderam a vida, mais de dois milhões fugiram de sua casas e pelo menos um terço do território nacional está sob controlo dos insurrectos.
Como é que o Burkina Faso, um país secular por muitos elogiado como “um lugar único de coexistência pacífica”, se tornou solo fértil para o extremismo que se apoderou do Sahel, onde partilha fronteiras porosas com o Mali, o Níger, o Benim, o Togo, o Gana e a Costa do Marfim? Para entender este presente tumultuoso recordemos primeiro o seu tortuoso passado.

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No século XV, à chegada ao golfo da Guiné, os Portugueses encontraram a foz de um rio que baptizaram de “Volta”. Talvez por o trajecto ser “sinuoso” ou porque aquela área demarcava “o ponto de retorno” para os seus navios que transportavam o ouro da região.
Aos três afluentes do rio chamaram Volta Negro, Volta Branco e Volta Vermelho, posteriormente registados como Mouhahoun, Nakambé e Nazinon. O nome do rio terá inspirado a designação e a iconografia da bandeira do que viria a ser a República do Alto Volta.
Antes de os Portugueses aparecerem, já os Mossi, com ligações ao Islão, aqui haviam estabelecido um império – Moogo – composto por quatro reinos principais e outros 17 mais pequenos, todos eles independentes, competindo entre si, mas liderados por um chefe supremo, Moogo Naaba, soberano de Ouagadougou, no Centro.

Os Mossis, ainda hoje a etnia maioritária (52% dos 22,1 milhões de habitantes), não eram os únicos povos do Moogo. No Norte, instalaram-se os Peul (ou Fulani) e os Tuaregues; no Leste, os Gourmantché; a ocidente, os Bobo e os Bwa, no Sul os Gourounsi, os Lobi e os Dagara.
Em 1 de Setembro de 1896, tropas francesas ocuparam Ouagadougou, conquistando sucessivamente todos os reinos do Moogo. Três anos depois, autorizaram a evangelização destes territórios, que ficou a cargo da Sociedade dos Missionários de África, conhecidos como Padres Brancos devido à cor das suas vestes, típicas dos árabes do Norte de África.
Monsenhor Prosper Augustin Hacquard, vigário apostólico do Sara-Sudão, foi o primeiro missionário a chegar a Ouagadougou, em 20 de Março de 1899, e a primeira de muitas missões foi fundada a 140 quilómetros de distância, em Koupèla, em 1900.

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Os Padres Brancos concentraram-se em acções educativas e sociais, com o objectivo de, em conjunto com as comunidades locais, “formar elites cristãs e competentes capazes de dirigir o país”. Não foi tarefa fácil, porque a administração colonial, apenas interessada em promover o poder e a cultura da França, considerava subversivas aquelas actividades.
O Alto Volta tornou-se uma colónia por decreto, em 1 de março de 1919, sendo suprimida por outro decreto em 1932, os seus territórios divididos entre a Costa do Marfim, o Sudão francês (actual Mali) e o Níger. Só em 1947, seriam restabelecidos os seus limites, graças à acção política do imperador mossi Naaba Saga, em colaboração com o primeiro vigário apostólico de Ouagadougou, o francês Joanny Thévenoud, nomeado em 1922 por Pio XII, o papa que abriu a porta à “africanização do clero voltaico”, ao fazer de Dieudonné Yougbaré o primeiro bispo negro da África Ocidental.
Monsenhor Thévenoud, ao leme durante 25 anos, destacou-se pela construção e renovação de vários estabelecimentos de ensino, o mais emblemático dos quais o seminário menor de Pabré. Fundado em 1925, foi a primeira escola secundária do país, onde estudaram alguns dos líderes que assumiram o comando do Estado pós-colonial.
Por exemplo, Maurice Yaméogo, primeiro presidente da República do Alto Volta independente (em 1960); Joseph Ouedraogo, presidente da Confederação Africana dos Trabalhadores Cristãos (CATC); Jean-Baptiste Ouedraogo, presidente do Conselho de Salvação do Povo (CSP), no poder de 1982 a 1993.

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A relação da Igreja com os novos dirigentes teve vários sobressaltos. O primeiro a desiludi-la foi “Monsieur Maurice”, como respeitosamente o trataram até à sua morte, em 1993. Primeiro, porque Yaméogo se divorciou da primeira mulher e se casou com a segunda; depois, porque ele planeava instaurar um regime de partido único; finalmente, porque, após uma “gestão danosa das finanças públicas”, cortou os subsídios às escolas primárias católicas, o que foi entendido como “uma declaração de guerra, ainda mais humilhante por ter emanado de um dos seus melhores filhos”, como anotou René Otayek, autor do ensaio L’Église Catholique au Burkina Faso. Un contre-pouvoir à contretemps de l’histoire.
O autocrata Yaméogo deixou sem voz a oposição, mas não conseguiu silenciar os críticos que se exprimiam através das centrais sindicais, como a CATC, dirigida por personalidades cristãs. A Igreja decidiu juntar-se aos protestos populares, que convidaram o exército a intervir – seria o primeiro de vários golpes de Estado. Em 3 de Janeiro de 1966, o coronel Aboubacar Sangoulé Lamizana, um muçulmano, forma o Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), prometendo restaurar o poder civil quatro anos depois.
Em 1970, como prometido, houve eleições, ganhas pela União Democrática Africana (RDA), mas foi breve a democracia, com querelas entre dirigentes. Em 1974-75, Lamizana dissolveu o Parlamento e tentou também impor um regime de partido único. Com o apoio da Igreja, os sindicatos conseguiram o regresso do poder civil.

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Em 1977, foi promulgada uma nova Constituição e, no ano seguinte, realizaram-se eleições presidenciais, mas “o clientelismo, a corrupção e o nepotismo” estavam tão disseminados que, desta vez, o exército nem precisou de ser convidado: o coronel Saye Zerbo assumiu a presidência de um governo militar, incluindo neste membros da oposição ligados à Igreja.
Paul Zoungrana, o primeiro cardeal do país, exultou: “Deus teve misericórdia do Alto Volta!”. Para a Igreja, o primeiro pecado de Lamizana foi ter nacionalizado as escolas primárias católicas em 1969, mas o “pecado mortal pelo qual ele não podia ser absolvido foi a reorientação da diplomacia voltaica em direcção ao mundo árabe-islâmico”, comentou René Otayek, investigador emérito do Centre nacional de recherche scientifique, em Paris.
A sua opinião é partilhada por Magloire Somé, historiador na Universidade de Ouagadougou. O que “realmente assustou a Igreja” foi a decisão de Lamizana de se aproximar de petromonarquias, como a Líbia e a Arábia Saudita, e de, alegadamente, “ele ter a intenção de proclamar uma república islâmica”.

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A estratégia de Lamizana era “diversificar as fontes de ajuda externa e acompanhar as evoluções diplomáticas regionais (alinhamento com os Estados subsarianos sobre as teses árabes em relação ao conflito com Israel), sem prejudicar o compromisso pró-ocidental do Alto Volta”, mas a Igreja “receava um complot muçulmano” e denunciou publicamente a adesão de “um Estado laico” à Organização da Conferência Islâmica, refere Otayek.
Saye Zerbo, que sucedeu a Lamizana, era amado pelo mundo rural e pelos chefes tradicionais, mas odiado pela Confederação Sindical Voltaica, próxima de associações de esquerda. Em 1981, quando a CSV foi dissolvida e o direito à greve abolido, o confronto tornou-se inevitável.
Em 7 de Novembro, jovens oficiais derrubaram o presidente em mais um golpe, criando o Conselho para a Salvação do Povo (CSP), liderado por Jean-Baptiste Ouedraogo, pediatra e comandante do exército, um cristão tal como Zerbo.

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Foi um regime de curta duração: divisões no exército e no CSP explicam a tomada do poder, em 4 de Agosto de 1983, pelo capitão Thomas Sankara, um jovem para quem o pai, fervoroso catequista da paróquia de Paspanga, em Ouagadougou, sonhava um futuro como padre, um jovem que casou pela igreja e baptizou os filhos, e cuja mulher, Mariam, se converteu ao Cristianismo.
Determinado a “transformar a sociedade”, o presidente do novo Conselho Nacional da Revolução (CNR) decretou, em 4 de Agosto de 1984, que o Alto Volta passaria a chamar-se Burkina Faso, um nome composto por duas palavras que pertencem a línguas diferentes. Em moré, burkina significa “homem íntegro” e, em dioula, faso designa “o país de…”.
Os Comités de Defesa da Revolução (CDR), criados como “órgãos básicos do poder popular”, passaram a dominar todos sectores da sociedade, relembra o historiador Magloire Somé. Sankara fez purgas no exército e na função pública. Afastou os que considerava corruptos ou desleais. Chefes tradicionais foram desprezados como senhores feudais. Os “obscurantistas e reaccionários” eram julgados como inimigos.

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Se, para alguns, o carismático capitão agia como um “populista totalitário” – e a Amnistia Internacional criticou nos seus relatórios detenções arbitrárias e execuções extrajudiciais -, para outros, foi um herói que tomou medidas para prevenir a fome, garantir a auto-suficiência agrícola, construir escolas e centros de saúde, combater a desertificação do Sahel (plantando mais de dez milhões de árvores), proibir a mutilação genital feminina, a poligamia e os casamentos infantis.
Sob o regime de Sankara, com liberdades restringidas em nome da “luta contra o imperialismo”, a Igreja optou pelo silêncio e juntou-se a iniciativas governamentais, como as campanhas de vacinação contra a meningite e a febre amarela. Esta atitude permitiu, segundo Otayek, “uma certa compreensão recíproca”, selada com um “pacto de não agressão” após uma audiência entre o presidente e o cardeal Zoungrana, em 1983.
Talvez porque “a Igreja reconheceu como seus os valores revolucionários: sentido do trabalho, do esforço e do rigor, o respeito pelas questões públicas, o primado do interesse geral, a honradez e a sobriedade.” Os responsáveis católicos também “suspiraram de alívio”, adianta Otayek, por o projecto de Sankara de transformação total da sociedade contemplar “o controlo do Islão”. Este era “um mal maior” do que a revolução.

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Em 15 de Outubro de 1987, o “período revolucionário” chegou ao fim quando Sankara, 37 anos, foi derrubado pelo “número dois” do regime e seu “amigo”, Blaise Campaoré, que o mandou assassinar durante uma reunião do CNR.
O Burkina Faso mudou de rumo, para alívio da França, dos EUA e da Grã-Bretanha. Campaoré, que escapou a duas intentonas em 1989 e 2003, governaria como “homem forte” durante 27 anos. Ameaçado por uma insurreição popular, foi forçado a sair de cena em 30 de Outubro de 2014, quando tentava mudar a Constituição para prolongar o seu mandato.
A partida de Campaoré fragilizou o aparelho de segurança e abriu caminho à expansão do jihadismo, segundo o International Crisis Group. “A unidade de forças especiais, conhecida como Regimento de Segurança Presidencial (RSP), foi desmantelada e não foi substituída por outra equivalente. Os serviços secretos são débeis, incapazes de detectar ou prevenir ataques terroristas.”

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Roch Marc Christian Kaboré (outro político cristão), que sucedeu a Campaoré, em 29 de Novembro de 2014, foi incapaz de travar a ameaça jihadista. Pelo contrário. Em 24 de Janeiro de 2022, com a sociedade exigindo respostas perante o número crescente de ataques mortíferos, o recém-reeleito Kaboré foi derrubado num golpe pelo tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba, chefe de um Movimento Patriótico para a Salvaguarda e a Restauração (MPSR).
Damiba dissolveu o Governo e o Parlamento, suspendeu a Constituição, fechou as fronteiras e instaurou o recolher obrigatório. A 10 de Fevereiro, proclamou-se presidente, mas a 30 de Setembro, após uma série de motins em diversos quartéis, também ele foi destituído em mais um golpe de Estado.
O novo líder, capitão Ibrahim Traoré, prometeu uma “luta implacável contra o terrorismo”, mas a ONG International Crisis Group mostra-se céptica quanto aos resultados, se as frustrações dos líderes muçulmanos e da mais perseguida etnia, os Peul/Fulani, não tiverem resposta por parte dos governantes burkinabè.

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“Os muçulmanos ressentem-se com a discrepância entre os seus números – segundo um censo contestado, eles representam cerca de 60% da população, os cristãos 25% e os animistas 15% – e a sua baixa representação na elite política e na função pública”, alerta o ICG. “As frustrações por vezes são exageradas, mas a percepção é mais importante do que a realidade.” O Estado tem de ser um “interlocutor útil” para que os descontentes “não procurem outros meios de expressar os sentimentos”.
O grupo Ansarul Islam, responsável pela maior parte dos ataques terroristas, é principalmente um movimento de protesto que começou por desafiar a ordem social em Soum, província da região Sahel do Burkina Faso, onde nasceu Malam Ibrahim Dicko, o seu fundador.
Durante anos, revela o ICG, o pregador Malam apelou à “igualdade entre classes, questionando o domínio dos chefes tradicionais e o monopólio da autoridade da famílias de marabout – líderes religiosos – que ele acusava de enriquecerem à custa das populações”.

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Ganhou uma “grande audiência” com esta retórica, sobretudo entre os jovens e os mais desfavorecidos da sua etnia, Peul/ Fulani.
Quando decidiu recorrer e intensificar a violência, no Norte e no Leste, “perdeu muitos seguidores”, mas o seu movimento, agora dirigido supostamente pelo irmão mais novo, Jafar Dicko (a morte de Malam, anunciada em 2017, é um mistério) continua a beneficiar de grandes apoios para continuar uma insurreição contra as autoridades locais e nacionais.
Na “Terra do Povo Íntegro”, organizações como a Al-Qaeda e o Daesh exploram as divisões locais para justificar a sua “guerra santa”, conclui o ICG.
Lamentavelmente, a sua jihad não permite vislumbrar a “dimensão social” de uma revolta travada em nome de “uma maioria silenciosa que não detém poder político nem religioso”.
Uma das piores crises humanas
* No Burkina Faso, 40% dos seus 21,9 milhões de habitantes vive abaixo do limiar da pobreza. Estima-se que 5,5 milhões – incluindo 3,2 milhões de crianças – precisarão de ajuda humanitária em 2023. Pelo menos 83% da população é identificada como “multidimensionalmente pobre”. Se neste grupo se incluírem grupos vulneráveis, ou seja, quem corre o risco de cair na pobreza, a percentagem sobe para 91,2.
* Cerca de 1,9 milhões de pessoas (mais de 60% das quais crianças) são deslocadas internas – ou seja, 7% da população total do país; mais de 10 mil (civis e militares) foram mortas em consequência da violência, imparável desde 2016, que deixou o Burkina Faso na lista das piores crises humanas.
* O país enfrenta problemas graves a vários níveis: fragilidade política (dois golpes de Estado em 2022); pressões demográficas (a população mais do que duplicou entre 1996 e 2019); propagação de actos terroristas (grupos jihadistas usam crianças para trabalhar em minas artesanais ou como soldados – em Junho de 2021, “meninos de 12 e 14 anos participaram num massacre” de mais 130 aldeões perto da fronteira entre o Mali e o Níger, denunciou a embaixadora dos EUA na ONU); proliferação de redes criminosas; o impacto das alterações climáticas (secas, inundações, degradação dos solos); os efeitos da pandemia de Covid-19; escassez dos alimentos e escalada de preços (agravadas pela invasão russa da Ucrânia).
* A economia assenta sobretudo na agricultura e são limitados os recursos naturais: ouro, zinco, cobre, manganês, fosfato e calcário. Tem ainda reservas não exploradas de diamantes, bauxita, níquel e vanádio.
* As riquezas são extraídas por multinacionais, a maior das quais a canadiana Endeavour, criticadas por não investirem localmente os seus lucros. “A única coisa que recebemos são buracos, rios poluídos, poeiras que causam doenças, expulsões forçadas das nossas terras, e não sabemos a quem nos queixar desta injustiça, porque a nossa voz não é ouvida e as nossas reclamações são ignoradas”, lamentou-se um líder comunitário, citado pela ONG National Democratic Institute, em Washington.
* Estima-se que um total de 3,3 milhões de pessoas se encontram em situação de insegurança alimentar e que 3,5 milhões precisam de ajuda de emergência em seis das 13 regiões do país – Norte, Sahel, Centro-Leste, Centro-Norte. Boucle du Mouhon e Leste. Os mais desprotegidos são os nómadas e pastoralistas, mulheres que cuidam sozinhas das famílias, portadores de deficiência, idosos.
* Mais de 3 milhões de raparigas casam-se antes dos 15,16,18 anos, por vezes em contexto de grande coerção sobre as famílias. Muitas são vítimas de tráfico humano, para escravatura doméstica ou sexual em países como o Líbano e a Líbia.
* Devido à insegurança num país que tem 40% do território sob controlo de grupos terroristas, mais de 500 centros de saúde encerraram (192 permanentemente), deixando cerca de 2 milhões de pessoas expostas a doenças recorrentes, como cólera e meningite.
* Também fecharam mais de 4250 escolas (17%), deixando sem aulas 700 mil crianças (340 mil das quais meninas) e sem salário mais de 20 mil professores.
Fontes:
Banco Mundial; Comissão Europeia; Departamento de Estado norte-americano; Embaixada da Suécia em Ouagadougou, Organização Mundial da Saúde; Oxford Poverty and Human Development Initiative (OPHI); Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas; UNICEF
Estes artigos foram publicados na edição de Abril de 2023 da revista ALÉM-MAR | These articles were published in the April 2023 edition of the Portuguese news magazine ALÉM-MAR



